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Hoje eu não vou ler!


Isso mesmo. Neste último domingo, o Dia Mundial do Livro Infantojuvenil chegou e eu me propus a passar o dia sem ler nada. Nadinha mesmo. Nem livro, nem notícia na internet. Mensagem pelo whats também não. Birra?! Protesto?! Não, apenas o desejo de refletir sobre a importância de termos, no mundo todo, uma data para nos fazer recordar os livros. Pois é para isso que servem as efemérides, denominação correta das datas comemorativas. Afinal, nem sempre temos algo a comemorar nessas ocasiões...

Não sei se você sabe, mas maioria das efemérides foi criada apenas para a gente simplesmente lembrar ou refletir sobre como é importante termos algo que antes não tínhamos (o contrário também, lembrar de algo que ainda bem que não temos mais – como no caso das minas de bombas terrestres, um horror que precisa ser mais do que lembrado). Mas o fato é que, geralmente, tendemos a comemorar - o que é um equívoco!

No Dia Mundial da Mulher, por exemplo, eu fiquei com a minha listinha de queixas e reivindicações pronta para soltá-la caso alguém quisesse saber o que eu tenho a dizer como mulher, esposa, mãe e empresária. Para aqueles que me trouxeram flores ou me deram parabéns, contestei mal humorada: “feliz dia dos homens, por que cá entre nós tá muito longe de ser um dia da mulher”. Vou confessar que o “inha” no final da minha listinha do Dia das Mulheres é só um jeito meigo meu de me expressar, por que veja bem...

No Dia Mundial do Livro Infantojuvenil resolvi deixar meus pensamentos correrem soltos. Tive vislumbres críticos, é claro. Afinal, o livro é um objeto de consumo. Sei bem da importância da leitura. Faço a defesa dela aqui no blog e em todas as partes por onde vou. Como professora alfabetizadora, diria que a alfabetização abre as portas da nossa casa, da nossa mente. Mas é a leitura de um livro que abre os portões para o mundo, para o exterior. É o portão da frente da casa da gente. Uma vez ultrapassado, estamos livres e podemos nos deparar com as mais incríveis aventuras. Nem sempre boas, mas sempre uma experiência vivida.

Voltando ao assunto, insisto que os livros são objeto de consumo. Já falei sobre isso em um post anterior. O livro é um objeto de consumo como uma bolsa ou um aparelho de celular. Não tem problema algum nisso. O chato é que custa caro, bem caro. E agora que tive que trazer toda a minha biblioteca – que ficava no escritório, fora de casa – para as prateleiras daqui do apartamento onde moro é que vejo quanto dinheiro eu já gastei com livros. Ainda mais com os livros que comprei para as crianças. São muitos e muitos. Na hora de arrumar um por um parece que eles não acabam. Gosto da maioria deles e pretendo conservá-los comigo. Mas tem um tanto, que deve somar mais de 50, que nem sei o que fazer com eles. Doar para uma biblioteca? É muito ruim, não dá... Dar para alguém? Aí não, fico com vergonha...

Vou separando esses livros que não prestam na pilha do arrependimento. Lá pelas tantas uma mãozinha curiosa começa a tirá-los da pilha. É o Fernando, meu caçula que já é um jovenzinho de 13 anos. “Nossa mãe, eu amava este livro, lembra?”. Claro que não lembro. Nem livro é: um papel acartonado duro e imantado para que a criança “grude” o bonequinho de imã. Quem foi que comprou isso? Ah o pai, só podia ser! “Eu ficava horas com este livro mãe, lembra?! Adorava a história e ficava colando os bonequinhos do Power Rangers em todas as páginas. Eu já sabia ler, mãe? Acho que não... Mãe, tá tudo aqui, os bonequinhos todos, que máximo! Por que ele está nesta pilha?! Você não vai jogar o meu livro preferido fora - vai, mãe?!”.

Vou. Ou melhor, ia. Por que embora de qualidade desprezível, o tal livro de imã do Power Rangers faz parte da memória afetiva do meu filho com os livros e com a leitura. Faz parte da sua formação como leitor, algo que cuidamos aqui em casa com mais dedicação do que a educação alimentar (detesto cozinhar...). Não descartei o tal livro de bonequinhos imantados. Guardei entre os mais importantes, pois quando o Fê tiver os seus filhos, darei de presente para os meus netos. Talvez eles achem desprezível, mas sem dúvida despertarei mais uma vez a importância da memória na formação do leitor.

E eis que nessas minhas divagações todas do domingão veio à minha mente a lembrança de um livro da minha infância. Devia ser bem pequena, pois não me recordo do texto, apenas das ilustrações feitas de bonequinhos de tecido e crochê. A da capa tinha um efeito 3D: virava o livro de um lado para outro e os personagens pareciam se mexer.

Pesquiso na internet e sou informada que se trata de uma coleção com a adaptação de alguns contos de Grimm e de Perrault feita nos anos 70 pela Editora Record. Falei que não ia ler nada, mas acabei lendo. A curiosidade falou mais alto.

Acho graça. O livro da minha infância é justamente um livro que nunca li – e que ninguém nunca leu para mim, pois no meu tempo não era comum os adultos lerem para os filhos. Um livro que permaneceu em meu coração como algo mágico: imagens que se movem e que parecem de verdade. Lembro de uma sensação tátil: meus dedinhos percorrendo as páginas do livro. Lembro de uma certa veneração: achava o livro lindo. Lembro de ficar abraçada com o livro e de não querer emprestá-lo para a prima. Bronca da mãe. Lembro dele envelhecer: as páginas acartonadas começaram a se romper nos cantos, dava para puxar cada uma das folhas de papel tão cuidadosamente prensadas. A ilustração da capa se soltou e se perdeu. O livro foi ficando esquecido. Deve ter ido parar no lixo...

Chego a uma conclusão: o Dia Mundial do Livro Infantojuvenil deveria ser o Dia Mundial da Criança que Lê. O que ela lê? Esta é a pergunta sobre a qual temos que refletir.

Considero que Fernando e eu somos ótimos leitores apesar dos nosso primeiros livros serem de uma qualidade literária duvidosa. Mas quando penso nas crianças que têm pouco contato com livros, essa qualidade toda me preocupa.

Neste dia que agora passou a ser o dia do jovem leitor (ou do leitor em formação), proponho que as políticas públicas valorizem o livro de qualidade – e no caso do nosso país, os livros de autores e ilustradores nacionais. E convido pais, mães, avós, tios e todos os adultos que cercam esse jovem leitor a compartilhar com ele um livro que tenha marcado a sua infância (ou juventude). Que tal?! Desta vez, ao invés de ler o livro, vamos falar sobre ele. E se você ainda tiver ele consigo, por que não dar uma "lidinha" também?! Bom ou ruim, foi ele quem ficou no seu coração...

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